quinta-feira, 28 de setembro de 2006

UM ADEUS QUE N?O EXISTE

(pelo exasperante sonho desta noite)

Quero tanto dizer-te adeus
marcar um ponto de descanso
pedir uma despedida a Deus
demarcar-me de ti, com avanço.

Quero esquecer-te no sentido
saber recordar-te, no passado
viver por um qualquer outro motivo
sorrir de nós, no final, descomplexado.

Quero, desejo, peço...planeio
ausentar-me do que nos marca
aprender com um novo beijo
que o coraç?o vive, ainda que parta.

Quero por agora o que está óbvio
perder-me de todo o teu cheiro
tornar a amar copiosamente, sem ódio
Quero um adeus que n?o existe
Quero um adeus inteiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou n?o chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o sil?ncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as m?os ? força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as m?os nas algibeiras e n?o encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
?s vezes tu dizias: os teus olhos s?o peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje s?o apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já n?o se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no sil?ncio do meu coraç?o.

N?o temos já nada para dar.
Dentro de ti
n?o há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras est?o gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade